Para Aylan Kurdi
Tenho uma mancha na face
expressão de cinismo ou remorso
sina obscura, imagem torta
uma história inscrita na face.
Dela retiro emolumentos macabros
quando me arde a língua portuguesa,
toda manhã em que escalo
a árvore genealógica dos vícios.
Das dormidas intranquilas
emerge sempre um corpo miúdo
na baía onde faço ginástica.
Lá, diariamente, boia o corpo de um menino.
Boia o corpo de um menino.
Depois de vê-lo, posso fazer nada.
Antes, contudo, eu também nada faria.
Abolorecida, uma máscara
numa conta bancária, protegida.
Na manhã tão clara, na idílica baía,
uma mancha inscrita em minha face.