Firmeza

Uma mulher idosa portuguesa entrou no ônibus, no ponto do Largo do Calvário. Emergia, cansada, da noite fria. Pareceu-me mal agasalhada. Levava duas bolsas grandes, repletas do que talvez fossem papéis e pedaços de panos. As bolsas não pareciam pesadas. Levaria ela também um cobertor? Mantinha-se atenta e firme, sem sequer cambalear ante os solavancos do veículo. Falava sozinha. Usava o cabelo amarrado, com um pequeno coque no alto … Continuar lendo Firmeza

Fúnebre

Um homem jazia fechado num saco mortuário branco, em frente à câmara de Lisboa. Seu cadáver era velado por uma idosa que, entretanto, deixou-o, provavelmente após lhe oferecer uma prece. Supus que o defunto estava à espera de quem o levasse dali, que ele era um velhote querido e que seu passamento fora rápido. Seria aquela senhora sua viúva? Um policial, posicionado a cerca de dois … Continuar lendo Fúnebre

Culpa

Um homem cego batia-se contra as paredes e corrimões da estação Cidade Universitária, talvez andasse ali pela primeira vez. Forte e resoluto, com seus cerca de quarenta anos, retomava seu caminho e não demonstrava insegurança, parecia prescindir da consideração alheia. Não houve quem lhe desse a atenção devida e lhe dispensasse um braço ou uma palavra. Eu, muito mais por culpa pela sua solitária epopeia … Continuar lendo Culpa

Lisboeta

“As lojas têm que aguentar não vender e o povo tem que evitar consumir, o que é difícil a um português, como o lisboeta. Preparamo-nos para um inverno econômico.” Um inferno, interpelei-o. “O quê?!”. Eu, um ‘inferno’ de economia. “Ah, sim, claro. Um inferno… Vocês, brasileiros, conhecem bem essas coisas de crises, não é?” Sim, muito. Os que têm menos de trinta já não se … Continuar lendo Lisboeta

Autoridade

Um menino com cerca de cinco anos deixou alguns amiguinhos a rodarem no brinquedo da Alameda obedecendo à mãe, que lhe chamava para comer bolachas. Enquanto as comia, encostado ao banco da praça, uma delas caiu ao chão. A mãe apontou-a e lhe disse para jogá-la fora. A criança foi até um canteiro, onde pousava um arbusto sobre a grama e, antes de lá dispensar a bolacha … Continuar lendo Autoridade

Vazio

Há quantas horas o vendedor da loja de ternos estaria de pé a esperar por um freguês? Os ternos na vitrine eram coloridos, eu não saberia dizer o estilo deles, admito, não fazem parte do meu repertório modal. Têm bom corte e muitas texturas, das lisas às mais felpudas. Parecem feitos de lã, combinam cores diversas, inusuais. Vários bonecos estatelados e alheios calçavam, inclusive, sapatos … Continuar lendo Vazio